quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Um Conto Perdido - Por Altair Júnior

Havia algo de estranho com aquele garoto. Sua respiração era calma como o findar de uma tempestade de verão, mas tão profunda que parecia que o menino fosse sucumbir a qualquer momento. Posicionado no canto da parede modelada pelo mosaico de folhas rasgadas, cola e outras imundices do capitalismo trajado de rostos bonitos e de sonhos por 9.99, estava agachado com os braços abraçando as pernas, como se estivesse protegendo seu próprio mundo. Tinha a cabeça baixa e os cadarços desamarrados. Talvez por ser desligado dessas coisas tolas que se aprende na escola da vida ou talvez porque nunca aprendera a amarrá-los, culpa de seu Q.I abaixo da média.

Balançava seu corpo para frente e para trás num ritmo que só ele entendia e conseguia acompanhar, batendo hora sim, hora não, suas costas no vão que se formara por estar tão rente à parede.Eu estava sentado do outro lado da rua, comendo um daqueles X-incógnita que você nunca sabe do que é feito, saciando minha fome e simultâneamente desejando não estar cometendo tal ato, porque minha consciência pesava. Tendo a gordura como amortecedora da minha falta de disciplina, nunca fui gordo; mantinha uma pequena saliência que eu conseguia disfarçar com minha postura sempre ereta e meu ar de gentleman – daqueles britânicos ou franceses de sotaque forçado e olhar de peixe morto. Não que eu me sentisse superior, mas vivendo nesse nosso mundo onde a propaganda é a alma do negócio, penso que um pouco de embalagem nunca é exagero.

Saindo do escroto e regressando ao garoto, várias pessoas passavam por ele e não o percebiam ali naquele canto. Cada uma delas já estava abarrotada de preocupações e de nada ajudaria se darem ao luxo de mais alguma. Filhos para cuidar, contas a pagar, o cardápio do almoço entre tantas outras peculiaridades que fazem parte da vida de qualquer pessoa. Foi aí que alguém parou ao seu lado e ficou observando o jovem enquanto falava ao telefone. Era uma mulher bonita e esticada, na flor de suas 37 primaveras. Tinha madeixas longas e ameladas, e carregava em sua mão, além do celular, uma bolsa. Pela posição da sacola em seu braço, que formava um ângulo perfeito de 90° e pelo figurino da fera-bela com óculos zangão, mas se portanto como abelha-rainha, com certeza era alguma socialite mais preocupada com os convidados da festa destinada a arrecadar fundos para uma ONG de proteção aos Cavalos da Mongólia, do que para o fim que o dinheiro “suado” seria utilizado.

Ela abriu a bolsa, se desdobrando pois ainda estava ao ascultador, retirou várias moedas e as soltou, deixando-as cair ao lado do menino e tintilando pela calçada e rua afora. Saiu como se nada tivesse acontecido e se misturou ao mar de gente que continuou a ondular pela maré do cotidiano.Eu comigo mesmo dei a pensar por que é que as pessoas se dão o trabalho de ajudar o próximo se nem ao menos sabem do que o outro necessita. A jovem senhora não sabe e nem descobrirá se o garoto tinha fome de aço revestido com cobre, apesar de o cenário e o enredo serem propícios para tal ato. Depois disso, o garoto permanecia ali, no mesmo lugar, só que não mais dançando aquela melodia grotesca do vai-e-vem. Agora ele colocara sua cabeça entre as pernas e brincava com as formigas que trabalhavam ao seu redor, no chão. Sua amência não distinguia se os formicídeos pudessem ser Solenopis, cujo veneno causa aquela coceira incomoda. Percebi que aqueles pontos negros que se movimentavam na calçada começaram a ficar mais densos e antes, se eu tinha dificuldades em visualizar um ou outro, vejo nitidamente o enebriado que parece carregar o menino que estava ali parado.

Num inopinado pulo, saio de minha área de conforto e atravesso a rua sem nem ao menos exercitar minha condição de bom cidadão, sondando os lados. Foi então que, mesmo apertados, vi minha vida transcorrer pelos olhos num relance tão impressionante, que consegui provar para mim mesmo que a história de “filme que se passa na cabeça quando está para morrer” é realmente verdade e que a sinopse dela seria breve, muito breve.Demasiado desespero meu que demasiei também nas promessas no momento da morte - imagino um Deus profissional em datilografia, se perdendo nas palavras fulas e tolas que eu proferi no momento de desesperação, jurando erais e beiras. A única coisa que me faltou foi ajoelhar, mas na condição em que eu me encontrava, tive sorte em não precisar ir correndo me trocar.O motorista do carro parou, fitou-me a queima roupa com um olhar sanguífico e soltou um grutual grito de repulsa e cólera, xingando até a minha última geração. Saiu logo em seguida ao perceber que uma discussão no meio da rua não resultaria em nada além de tempo perdido e um bando de curiosos a espreita de algum acometimento, além do verbal. Findo meu percurso e ainda é possível sentir a fuligem de pneu queimado ardendo em minhas narinas e a circulação voltando para o meu corpo lentamente. Recupero a cor, chego até o menino e o levanto pelos braços, distanciando-o das formigas. É neste momento que percebo que o garoto havia pisado no formigueiro e atiçado as inocentes que estavam se defendendo do gigante abobalhado. Tá ficando louco!? Disse eu ao jovem enquanto dava tapinhas em suas pernas tentando livrá-lo de mais picadas.Foi então que percebi o quão sujo e repulsivo era aquele ser.

Ele não estava só rodeado de formigas. Havia moscas e o cheiro era insuportável: uma mistura de urina, feridas abertas e imundices. Aquilo que eu achava ser um par de cadarço, nada mais eram do que duas sacolas plásticas amarradas a um trapo que um dia fora um tênis de uma marca vagabunda qualquer. Meus olhos lacrimejaram, tive ânsia de vômito e vontade de soltá-lo ali mesmo e nunca mais voltar a vê-lo, mas meu senso Unicef não me permitiu. Quis tapar o nariz, mas achei que seria muito humilhante, até mesmo para aquele moleque. Quando ele abriu a boca a falar, desejei que fosse mudo, mas lembrei que a linguagem dos sinais é gesticulada e ele teria que levantar os braços para se comunicar. Então desejei que fosse aleijado.Parei de desejar quando vi que seus olhos eram piedade e sofrimento, numa mistura pior que aquela do odor descrito outrora. Tive vontade de voltar ao tempo e prostrar-me aos pés da socialite abelha-rainha, agradecendo-a com todo meu pobre vocabulário por ter percebido e ajudado aquela alma esquecida. Lembrei dos ensinamentos de minha mãezinha; o não desperdiçar, o não julgar, o não desejar demais, porque foi neste momento que ele sucumbiu. Ficou mudo, aleijado. Ficou morto. A cabeça pendeu para trás e as esferas permaneceram ali abertas, mas vazias, olhando para o nada.

Boquiabertos estávamos nós dois.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

quinta-feira, 7 de maio de 2009

VT EF - Cidadão do Mundo

VT no formato de 30'' criado para a EF - Educação Internacional de Uberlândia.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Colégio Ápice - Pré-vestibular

Panfleto produzido para o Colégio Ápice, para divulgação do Pré-vestibular.

Colégio Ápice - Compacto EJA


Panfleto criado para o Colégio Ápice, referente ao Compacto EJA.